sábado, setembro 11, 2004

O dia em que engoli o mundo

De todos os livros de receitas do mundo, o que eu mais desejo de com força e que nunca vou ter, é um Livro de Receitas da Avó, ou da Tia Fulaninha que seja, com as receitas secretas da família.

No Livro é onde estão escondidas as melhores receitas do mundo, testadas e aprovadas em almoços de domingo, jantares de Natal e festas juninas, por gerações e gerações de comilões. As pamonhas mais macias, o bolo mais fofinho, os biscoitos que derretem na boca, Pastéis de Nata e toda uma gama de delícias, que remetem diretamente a roupas manchadas, uma enorme mangueira no jardim, balões de São joão (naquela época, parece que não eram perigosos), caminha quentinha com beijo de boa noite e casquinhas de ferida. Um mundo de segurança gastronômica.

É uma frustração não ter o Livro. Um verdadeiro trauma na minha vida, desde que descobri o mundo maravilhoso da cozinha. Isso foi, quando pela primeira vez, ajudei a fazer um bolo, acho que tinha uns seis anos, por aí. Quer dizer, ajudar, naquela época, era ficar brincando com a gema, passando-a de uma mão para outra, até a pobre estourar de impaciência. Era ficar metendo o dedo furtivamente na mistura de manteiga, açúcar e gemas, que pra mim sempre foi muito melhor do que lamber a tigela no final, com a devida permissão que tirava toda a graça da coisa. E, muito raramete, bater um pouquinho o bolo, morrendo de medo de esquecer e inverter a direção, levando-o a desgraça total que é um bolo solado.

Quando descobri que amava cozinhar e comecei a recortar as receitas das latas de Leite Moça, a primeira coisa que procurei, foi o Livro de Receitas da Avó. Imagine qual foi a minha decepção, ao descobrir que nem a minha vó de Campina Grande, que fazia a melhor tapioca do mundo, nem a minha vó daqui, que faz ainda cozidos e feijoadas inesquecíveis, tinham o hábito de catalogar as receitas secretas da família num caderninho que fosse, pra me deixar de herança, quanto mais num valioso Livro de Receitas da Avó. No caso da minha vó daqui, é ainda mais complicado, por que mais tarde descobri que ela não era exatamente uma excelente cozinheira, mas sim uma gerente de cozinha sem igual. Minha vó sempre mandou bem, literalmente, mas até hoje não sabe nem abrir uma lata.

Não sei de quem herdei esse hobby vital e que me traz tantas aflições com a balança. Das avós eu já falei. Mainha, faz o melhor bacalhau. E tem umas tias que cozinham muuito. Mas ninguém da família, pelo menos que seja do meu conhecimento, tem tamanho amor pela comida e por tudo que se relaciona a ela.

Amor que já me fez gastar os suados com livros de receitas que usam ingredientes simplesmente inexistentes por aqui, apetrechos de cozinha que não servem nem pra enfeite e um conjunto de mais de cinquenta peças de barro para feijoada, que nunca foi usado. Até namoro já acabei, em plena lua de mel em Paris, por causa de Padarias. Na verdade, por que o Insensível em questão, teve a audácia de dizer que pão era tudo igual. Heresia! Blasfêmia!

Só sei que a falta do Livro na minha vida, ocasionou um terrível trauma, que me fez primeiro começar a colecionar, obsessivamente, receitas e os livros de culinária mais variados. Depois, registrar as minhas próprias receitas, pensando é claro, na minha netinha. Foi assim que começou O dia em que engoli o mundo ou O Fantástico Caderno das Receitas Não Publicadas da Vovó. A vovó, no caso, sou eu amanhã.

PS: Eu ainda preciso muito de um Livro de Receitas da Avó, principalmente se for de receitas secretas de família. Seja qual for a família. Aceito doações e ou empréstimos.

sexta-feira, setembro 10, 2004

Wraps

Pra quem não sabe, wrap é um sanduíche feito com pão sírio (ou é um pão bem parecido), só que enroladinho. Fica parecendo um rocombole (é assim que se escreve?).

O único lugar onde vi wraps no cardápio, aqui em Recife, foi no La Cuisine. Muito bom, porém très francês - vem pouquinho, com preço salgadinho. Note que não quero desmerecer o La Cuisine, que eu adoro! Inclusive, lá tem uns sanduíches enormes, como o de carpaccio, que dá bem pra duas pessoas que ainda pretendem pedir como sobremesa aquele folhado de maçã perfeito, com sorvete de canela e calda de caramelo. E, comparando com outros restaurantes do mesmo nível gastronômico, os pratos têm até um preço bem honesto.

Mas voltando ao Wrap. Nunca tentei fazer pão sírio e os que encontro, são muito grossos pra enrolar. Aí ontem, comprei um pão na Mundo Verde, que embora à primeira vista tenha achado muito fino, resultou num wrap delicioso. Na verdade, ficou um cruzamento de wrap com taco, uma coisa meio crocante. Enfim, o experimento é o seguinte: pegue o pão fininho e toste por alguns segundos na chapa ou frigideira, pra dar crocância, sendo que, depois de virar o pão, cubra a metade com queijo muzzarela, dando um tempinho no fogo pra ele derreter. Passe pasta de soja Mundo Verde (é bom, eu juro!) ou maionese (versão Colesterol Plus) na metade sem queijo, espalhe fatias de peito de peru defumado ou outro(s) frio(s) de sua preferência, folhas de alface e cenoura ralada, tipo cabelinho. Enrole o sanduíche como rocombole (esse nome é muito horrível) e regue com azeite. Coma assim mesmo ou corte em fatias na diagonal e partilhe com seus coleguinhas.

Outras sugestões de recheio: a tríade mais que rodada, porém delícia - muzza de búfala, tomate seco e rúcula. Rosbife fininho ou carpaccio, molho de mostarda, parmesão de verdade ralado, tomate e folhas. Uma coisa meio taco - molho de tomate picante e carne moída , molho de iogurte, queijo e acelga picadinha. Ou o meu preferido, mas oneroso, pelo menos pro meu bolsinho furado - salmão nham defumado, molho tártaro, de mostarda ou maionese mesmo e folhas.

terça-feira, setembro 07, 2004

FLANAR

Aprendi essa palavra com Idalina e Cuca, amigos de infância e casal inseparável desde que saíram dela. Assim como os vinhos, as artes, as viagens e Theo, flanar é a cara deles. E se tornou uma das minhas palavras preferidas. f l a n a r . Eu sempre gostei imensamente de andar por aí, sem destino e sem propósito, só me deixando levar. Entrando aqui e ali, descobrindo buracos e passagens secretas e me perdendo, às vezes. Mas não sabia que existia um nome só pra isso.

O melhor de flanar, são as surpresas que sempre surgem no caminho. Acho que elas são atraídas justamente pela ausência de roteiros e expectativas exageradas ou pela atitude aberta e descompromissada própria do ser flanante, que acaba se maravilhando com as menores e mais simples besteiras.

E lá vou eu, flanando pelos arredores do Mercado de São José, num sábado de manhã. Entrando em casa de macumba, enchendo os vendedores de pra quê isso e pra quê aquilo, conhecendo ervas mágicas e muita gente boa. É um labirinto delicioso. Cheio de ruas que levam a ruas que levam a ruas. E, de repente, uma passagem estreita, que é o próprio Beco Diagonal, escondendo outra dimensão e um monte de achados fantásticos.

Flanar pelo centrão da cidade (Cde da Boa Vista, Av. Guararapes e adjacências, incluindo os sebos), pode ser em qualquer dia. Melhor ainda quando dou sorte e esbarro na Casa dos Sucos ( que nunca sei onde fica exatamente). No Poço da Panela, respirando aquele cheirinho que é só de lá e procurando casas mal assombradas. De preferência, com tia Terezinha, sua indefectível yashica automática e a conversa boa garantida (como a pessoa arruma espaço ainda pra acumular tanta informação?). Na Sé de Olinda, domingo à tarde, por do sol com tapioca (único destino certo) e quem sabe, terminando o dia com licor e farrinha.

Nas viagens por aí é verbo obrigatório, mas que não conjuga muito bem com tempos escassos e horários espremidos, por isso tenho horror a tal da excursão. Em São Paulo, flanar é infinitivo infinito mesmo. Posso andar dias e dias seguidos, sem passar duas vezes pelo mesmo lugar. Menção especial à Av. Paulista, quem primeiro me fez baixar a guarda contra essa cidade, à primeira vista tão hostil.

Quanto ao mundo de fora, considerando as poucas terras que conheci, preciso dizer que flanar em Paris é a pura perfeição. A cidade combina com a palavra, tanto quanto a palavra combina com o seu significado. Flanar pelas pontes e margens do Sena à noite, só não é melhor do que seria pelas pontes do Recife (que eu ainda amo, apesar de tudo), se houvesse pelo menos a mesma segurança. Ile de Saint Louis, Quartier Latin, Montmartre - tanta história, tantos cheiros, tantos gostos, aventuras, mercados de flores, frutas vermelhinhas e caranguejos gigantes. Mas vou parar, por que isso é assunto longo, senão acabo emendando outro post.

Só digo uma coisa, pode até significar o mesmo, mas flanar é muito melhor do que andar à toa.

domingo, setembro 05, 2004

Não tem jeito, eu realmente não consigo estabelecer uma relação unha e cutícula, ou melhor, caneta e papel, com o teclado. Acho que isso se deve muito ao fato de ser uma pessoa que começou a desenvolver a escrita no tempo do Meu Querido Diário e não do Eu tenho um Blog. Que escreveu muitas cartas, antes de existir emails e que em vez de chats, frequentava o 145, sem a menor suspeita de que aquilo era uma espécie de mIrc pré-histórico (canal Vigias, Secretárias do Lar e Pirralhos Pentelhos) .

Quando eu escrevo no computador, parece que uma trava automática é acionada. É que o texto assim, digitado, tem pra mim uma certa gravidade. Parece que é uma coisa séria e acaba inibindo, sem querer, a espontaneidade. Passado a limpo, tudo ótimo, mas pra parir o menino, tem que ser no papel.

Ali é uma intimidade só. A caneta entre os dedos é quase como uma extensão do corpo. Parece que as emoções fluem pelas mãos. Ver as letras se desenhando e as palavras se formando é quase como ver o pensamento. Gosto da frase mal escrita riscada e ainda assim fazendo parte do texto, ao invés de desaparecida, como se nunca houvesse existido. Gosto da tipologia única, só minha, bem feitinha ou quase ilegível, variando a forma conforme o conteúdo emocional. Gosto dos desenhos e rabiscos ociosos nas bordas do papel, registro das paradas pra organizar o pensamento .

E quando cai uma lágrima então e afoga uma palavra?
Aí é o êxtase.